Haicai mal-sucedido
O problema com formas fixas.
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Alguns meses atrás, quando o algoritmo do Instagram entendeu que eu tinha seguido alguns perfis de oficinas de escrita, fiquei sabendo de alguns concursos de poesia que estavam aceitando inscrições. Um deles era um concurso de haicais em SP, com um prêmio em dinheiro bastante considerável. Eu não sabia como fazer um haicai, tinha certeza que não ia me inscrever, mas fiquei curiosa se conseguiria fazer um se aprendesse a estrutura.
Bom, o título já diz que eu não consegui.
Pesquisei por alguns artigos bem básicos sobre como fazer um haicai, achei alguns interessantes e comecei a desenvolver uma ideia enquanto me debruçava sobre uma listinha de regras. Se minhas fontes forem confiáveis, são várias: 17 sílabas poéticas ao total, dois versos de 5 e um de 7; temática relacionada à natureza ou às estações do ano; uma palavra que estabeleça um “corte” (corte?) ali no meio. Aham, entendi, tô anotando, o que mais? Uma certa objetividade, uma certa solidão, uma certa serenidade diante da solidão. Nenhuma menção a rimas - ufa!
A cada linha que eu escrevia, eu ia contando as sílabas rítmicas nos dedos (eu escrevendo devo parecer uma criança de seis anos fazendo prova de matemática) e tinha mais certeza de que a minha ideia não cabia naquela forma. Tá bom, e se eu escrevesse dois haicais juntos? Não, não consigo desmembrar as frases na metade, vai quebrar a lógica.
Vencida na velha luta do bom contra o ótimo, escrevi borrando as bordas. Mostrei pra um amigo, e apenas um. Ele, de volta, citou um haicai do Leminski. Eu não sabia, mas ainda é o maior representante dessa forma de se escrever poemas no Brasil. E não, nem todos são nessa forma clássica, conforme descobri lendo mais alguns dele - cada um mais fantástico que o anterior.
Quem já tiver visto outros poemas meus, pode até ficar confuso. Não era eu que gostava de decassílabos? Sim, não há um problema aqui com formas fixas em geral, só uma dificuldade de aprender uma forma nova e a consciência de que, se a ideia transborda o pote, eu fico com a ideia e não com o pote. Aliás, eu não escrevo versos de dez sílabas rítmicas, ou redondilhas, por tentativa intencional. O pensamento da primeira linha já vem com ritmo, só depois eu começo a contar e descubro qual o tempo que saiu.
A forma, o ritmo gruda na cabeça como se fosse o refrão do novo pop chiclete do verão. As rimas se formam porque, metade das vezes, uma palavra lembra a outra. Dá pra entender por que rimas sequer existem, é recurso mnemônico, de quando poesia era tradição oral. É muito comum eu pensar num segundo verso que segue o mesmo ritmo, mas tem uma palavra faltando no meio, e daí o trabalho é achar a palavra ou desmontar a frase e montar de novo, de um jeito que entre na dança sem perder o passo.
Então, talvez eu tenha conseguido, talvez não. Feliz de ter tentado.
Suas folhas escritas
Com seus poemas antigos
Haicaem,
Garoa em minha memória.
Sob um sol bem longe,
Me sento à sua sombra.
(19/07/2024)