Modus Tollens
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Ontem, enquanto trabalhava, me lembrei de um texto que li na aula de Filosofia da Música, quando fazia a disciplina eletiva na UFRJ. O texto, cujo autor não lembro mais - e dou graças que não preciso escrever referência bibliográfica nesse blog - dividia algumas formas de fazer artístico utilizando estruturas conhecidas dentro da Lógica: modus ponens e modus tollens, que significam mais ou menos “modo de propor” ou “afirmar” e “modo de remover” ou “negar” em latim.
Esses “modos”, originalmente, não tem nada a ver com artes, são operações de lógica de proposições. O autor discorria que a pintura, por exemplo, era uma forma de modus ponens, porque consiste em acrescentar algo à tela ou papel (quer dizer, cores e formas). Já a escultura seria o modus tollens, porque pega um bloco de pedra ou madeira e tira dele tudo o que não é a forma que se quer. Ele conclui inventando um modo que não existe dentro da área da Lógica: o modus componens, que seria o modo correspondente a como se cria música, que envolve adicionar e retirar ao mesmo tempo.
Não sei se gosto dessa viagem toda. Posso ter misturado as frases na cabeça, lembrado errado. Hoje, parece um ensaio inútil, uma desculpa pra usar termos em latim. O professor, em especial, era um velho antiquado, afeito a conclusões apressadas sobre o comportamento de outras pessoas por falta de imaginação e incapaz de enxergar mulheres como sujeitos pensantes e desejantes. Mas o texto, apesar disso tudo, me marcou a ponto de eu lembrar depois de tantos anos e identificar meu processo de escrita ali - não só de poesia, de qualquer coisa.
Escrevo esculpindo.
Imagino um grande bloco de pedra qualquer
(Mármore pareceu clássico demais,
caro demais, duro demais).
Desenho ele no papel com palavras
Um grande paralelepípedo de frases
Ligadas por conjunções iônicas.
É feio de olhar, anguloso,
Grande demais pra a sala em que vai ser exposto,
Áspero e quadrado.
Risco uma letra, sai uma lasca
Risco palavras, nasce uma curva
Risco uma linha, se vê um rosto:
Não era o rosto que eu esperava
Nem tinha como esperar.
O trabalho nem sempre é construir,
O trabalho é saber onde tirar
Pra ver a palavra certa que sempre esteve lá.