O Primeiro Poema
ou como a escola (não) me estimulou a escrever
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A minha primeira memória de ter escrito um poema é triste. Nada grave, mas foi triste na hora.
Eu tava na sexta série, atual sétimo ano, tinha uns 11 anos. Numa aula de Português. Ainda me lembro da professora, Andréia, um doce de pessoa, cabelo cacheado castanho claro partido ao meio num rabo de cavalo. Diante de 30 pré-adolescentes, duas vezes por semana, vestia calça jeans, blusinhas discretas de malha e muita paciência.
Ela leu com a gente um pequeno conto em versos rimados que tinha no nosso livro didático. Lembro vagamente a história, era sobre uma cidade de onde os homens emigravam para procurar emprego e as mulheres, que ficavam para trás, adotavam um monte de gatos porque se sentiam solitárias. Uma parte do texto dizia que a cidade virava uma “gataria” (eu lembro de gostar dessa palavra).
Embaixo do texto, um exercício: a partir da leitura, bla bla bla, escreva um texto para o prefeito da cidade, ou alguma coisa assim. Fizemos na aula mesmo, não foi pra fazer em casa, então era algo curto. Eu fui lá e, encucada com o curioso problema social daquela cidadezinha (que eu nem sabia que era MUITO real naquela época), me dediquei na próxima meia hora a propor uma solução. Não lembro qual foi a minha proposta, mas lembro que escolhi escrever em verso com rimas também, para espelhar a estrutura do poema, como se fosse uma resposta no mesmo tom.
Cada um de nós foi entregando o exercíco pra professora. Quando chegou a minha vez, ela pareceu positivamente surpresa, elogiou meu texto por eu ter “resolvido” o problema da cidade e pelas rimas. Teria sido uma história feliz até aí, mas ela cometeu um pequeno erro, coisa boba: pediu que eu lesse o texto em voz alta pra toda a turma.
Eu nunca tinha tido problemas de falar em público. Mas, depois daquele dia, e de vários outros experimentos nos próximos anos de colégio, eu passaria a pensar duas vezes antes de abrir a boca em sala de aula (a gota d’água foi quando falaram que eu parecia um robô enquanto lia Nelson Rodrigues em voz alta, na oitava série).
Empolgada com o presente que a professora me deu - validação - eu li o texto pra turma. Meus colegas me ouviam com reações variadas, todas silenciosas: tédio, nojo, sono. Quando terminei, o entusiasmo todo sumido, Andréia estranhou o silêncio da turma. Pediu que o pessoal aplaudisse a leitura, mas claramente ninguém ali estava muito interessado. Veio um aplauso a meio mastro. Entendi que eu não era a aluna exemplar que a professora tentava “emplacar” ali - eu era a esquisita, e eu gostava das coisas erradas. Desobedeci a algum código implícito entre estudantes que ninguém tinha me avisado que existia.
A conclusão apressada seria “poxa, então você desistiu de escrever”. Não. Nem me passou pela cabeça que meu texto fosse ruim. Escrever não pareceu uma obrigação escolar, fiz por amor, confiava no meu próprio julgamento (confiava mais do que hoje, adulta). Mas fazer algo que você gosta e mostrar pra uma plateia que não se importa, com 11 anos, constatando que não tem nenhum amigo no meio dessas 30 pessoas que você vê todo dia - não sei, foi meio pesado.
Foi útil ter aprendido a fazer o que eu queria sem esperar aprovação dos meus pares, mas também não sei o quanto isso me custou. Preferia não ter lido pra turma, preferia não ter aprendido, às vezes. Talvez tenha sido um pouco limitador ter me acostumado, tão nova, com o pensamento de que a maioria das pessoas vai me achar uma chata, paciência, é assim mesmo. Continuo tentando levar a parte boa do aprendizado comigo: ninguém precisa gostar do texto pra ele ser bom.