Templo
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Alguns poemas são tão impublicáveis quanto são honestos. Por isso, uso tanta figura de linguagem: falar diretamente de tudo que me faz escrever me tornaria uma eterna escritora de gaveta, por uma questão de autopreservação. Agora mesmo, tenho dois escritos aqui que pecam pelo excesso de transparência (quem sabe, em uns 20 anos, o crime prescreve?). Outros, eventualmente, se tornam menos perigosos pela passagem do tempo e pelo fim das circunstâncias de que falam, como é o caso do poema de hoje.
Em 2013, eu gostava de um cara do meu bairro. Tinhamos longas conversas sobre a vida, no ônibus, a caminho dos nossos respectivos destinos. Chegamos a ter um relacionamento muito breve, cheio de problemas e ansiedades. Uma forma de lidar com esses sentimentos era escrever as imagens que me vinham à cabeça, e algumas vezes elas vinham com ritmo, acabava saindo um verso. Me lembro também de estar bastante consciente do processo e de ter um pouco de crítica em relação a esses sentimentos, como se estivesse me enxergando de fora da minha cabeça.
De uma dinâmica meio problemática no meio disso tudo, saiu “Templo”. Apesar do teor extremamente pessoal, acho que esse poema valeu a pena (desculpa). Eu ainda tenho um interesse especial por temas que misturam erotismo com experiências religiosas, então sinto que algo que parecia distante ainda permanece.
Um corpo de humana
Um pouco de santa
Ela intercede
Por quem nada pede
Um bom peregrino
Sem fé, sem destino
Ele nada pede
Mas ela intercede
Ela crê que pode salvar
Os desesperados e os doentes
Redimir o mundo e exorcizar
Memórias de Evas e serpentes
É uma tola essa senhora
Ser a santa é sempre um fardo
Que ela insiste em carregar
É uma tola essa senhora
O seu manto é tão pesado
Impossível não pecar
Ela quer transformar
Inferno em céu
Essa santa, devota
De um só fiel
E é ela quem reza
Pela sua chegada
Em seu templo, de portas escancaradas
É por ele que preza,
O peregrino na estrada.
Em seu retiro itinerante,
O peregrino errante
Caminha sozinho.
Mas a santa, tola e radiante,
Diz ao viajante
No meio do caminho:
“Quando essa quaresma terminar
Vem sussurrar
Suas preces no meu ouvido
Nem no paraíso há de encontrar
Melhor lugar
Para um peregrino perdido
E quando a maldição acabar
O meu altar
Eu te ofereço como abrigo
Meus braços em cruz pra te abraçar
No meu halo, a luz vai se apagar
Meu manto, despido.”
(14/12/2013)